“Palavras devem ser doces como brisas, belas como o sol, sobretudo intensas como a tempestade”. (Paula Schaustz)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Ato falho: uma expressão simbólica do Inconsciente.

 

           


A Psicanálise é uma teoria que se dedica a estudar o funcionamento da mente humana, seus processos conscientes e inconscientes, e as diferentes formas de expressão do psiquismo. Uma das formas de expressão mais estudadas na área psicanalítica foi denominada por Freud como “ato falho”, que pode ser definido como um erro cometido na fala, na escrita ou na ação, que acaba revelando conteúdos inconscientes da pessoa. O ato falho é um dos temas centrais na Psicanálise, pois permite entender a relação entre o consciente e o inconsciente, a influência do passado no presente e a dinâmica das relações interpessoais.

            Nesse sentido, o ato falho pode ser entendido como uma expressão simbólica do inconsciente, que se manifesta de forma deslocada, desfigurada ou até mesmo disfarçada. Freud, o fundador da Psicanálise, identificou três tipos de ato falho: o lapso, o esquecimento e o engano. O lapso é um erro de fala ou de escrita, como trocar o nome de uma pessoa, esquecer uma palavra ou cometer um erro de ortografia. O esquecimento é uma falha na memória, como esquecer uma data importante ou um compromisso. O engano é uma ação equivocada, como pegar o caminho errado para um lugar ou comprar o produto errado no supermercado. Todos esses tipos de ato falho têm em comum o fato de revelarem conteúdos inconscientes da pessoa, que podem estar relacionados a traumas, desejos, conflitos ou repressões.

            Ademais, o ato falho é um fenômeno complexo, que pode ser analisado de várias perspectivas. Uma das abordagens mais conhecidas é a Psicanálise Freudiana, que se dedica a interpretar o ato falho a partir da teoria do inconsciente. Segundo Freud, o ato falho é um sintoma da repressão, ou seja, uma forma de expressão do que foi censurado pelo consciente. O inconsciente é uma instância psíquica que contém os desejos, os traumas e as memórias que foram reprimidas pelo consciente, mas que continuam a influenciar o comportamento da pessoa. Quando um conteúdo inconsciente é reprimido, ele não desaparece somente, mas se manifesta de outras formas, como o ato falho, por exemplo. Assim, o ato falho é uma forma de desvelar o conteúdo reprimido, revelando o que está por trás do que foi censurado.

            Outra abordagem da Psicanálise é a teoria da resistência, que se concentra no papel do ego na manifestação do ato falho. O ego é a instância psíquica que representa a consciência, ou seja, a parte da mente que tem o controle sobre o comportamento e as decisões da pessoa. O ego é responsável por defender a pessoa contra os impulsos e desejos inconscientes, mas também pode ser uma fonte de resistência ao trabalho analítico. A resistência é um mecanismo de defesa do ego, que busca impedir a análise de conteúdos que são dolorosos, ameaçadores ou incompatíveis com a imagem que a pessoa tem de si mesma. A resistência pode se manifestar de várias formas, como o silêncio, a omissão, a negação ou até mesmo o ataque ao analista. O ato falho também é uma forma de resistência, uma vez que revela a dificuldade do ego em manter a repressão dos conteúdos inconscientes. Ao cometer um ato falho, a pessoa pode estar tentando evitar a análise de um conteúdo que é doloroso ou ameaçador para o ego. Por exemplo, se uma pessoa está falando sobre sua infância e comete um lapso, trocando o nome de um parente, pode estar revelando um conteúdo inconsciente que está sendo reprimido, como um trauma ou um conflito familiar.

            Além da Psicanálise Freudiana, outras correntes da Psicanálise têm contribuído para o estudo do ato falho. Por exemplo, a Psicanálise Lacaniana enfatiza a dimensão simbólica do ato falho, entendendo-o como uma forma de linguagem que revela a estrutura do sujeito. Segundo Lacan, o ato falho é uma brecha na simbolização, que permite o acesso aos conteúdos inconscientes do sujeito. O ato falho é um efeito da falha do simbólico em dar conta dos desejos e conflitos do sujeito, e revela a dimensão real do psiquismo, que não pode ser reduzida à linguagem. Assim, o ato falho é uma forma de resistência ao simbólico, que busca revelar o que está para além das palavras.

            Outra corrente da Psicanálise que tem se dedicado ao estudo do ato falho é a Psicologia Analítica, desenvolvida por Jung. Jung concebe o ato falho como uma expressão do inconsciente coletivo, ou seja, um conjunto de conteúdos que são comuns a toda a humanidade. O inconsciente coletivo é formado por arquétipos, que são padrões universais de comportamento e pensamento, como o arquétipo da mãe, do pai, do herói, etc. O ato falho, nesse sentido, revela a influência dos arquétipos na vida da pessoa, e pode ser entendido como uma forma de compensação ou de realização de um desejo inconsciente. Por exemplo, se uma pessoa comete um engano e pega o caminho errado para um lugar, pode estar realizando um desejo inconsciente de se perder ou de se desviar do caminho convencional.

            Resumindo, o ato falho mostra que a mente humana não é um sistema racional e lógico, mas uma trama de influências e determinações que escapam ao controle consciente da pessoa. Dessa forma, o ato falho também pode ser entendido como uma forma de autoconhecimento, que permite à pessoa ter acesso a seus conteúdos inconscientes, e assim acaba por compreender melhor a si mesma e ao mundo ao seu redor.

            Sendo assim, pode-se concluir que o ato falho é uma das principais contribuições da Psicanálise para a compreensão do psiquismo humano. O ato falho revela a dimensão inconsciente da mente, sua relação com a linguagem e com a cultura, e sua resistência à análise. O ato falho é uma forma de autoconhecimento, que permite à pessoa ter acesso aos seus conteúdos inconscientes, e assim compreender melhor a si mesma e ao mundo ao seu redor. O estudo do ato falho é importante não apenas para a Psicanálise, mas para outras áreas do conhecimento humano, como a Linguística, a Sociologia, a Antropologia e a Filosofia, pois revela a complexidade do psiquismo humano e sua relação com a História e a cultura. Por isso, o ato falho continua sendo um tema relevante e estimulante para a pesquisa e o debate no campo da Psicanálise, da Psicologia e das Ciências Humanas em geral.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Contribuições Freudianas sobre o desenvolvimento psíquico e social a partir da sexualidade.



       Além dos estudos sobre o inconsciente, uma das grandes contribuições Freudianas para a Psicanálise foi a tendência de explicar a sexualidade partindo do pressuposto de que esse conceito vai muito além de definições relacionadas somente ao sexo. Em seus estudos Freud também ressaltou que a origem da sexualidade aconteceria em um período anterior à adolescência.

   A partir dessa base teórica, Freud elaborou conteúdos sobre o desenvolvimento psicossexual, considerando que este ocorre desde o início da vida e vai se desenvolvendo de forma gradual e evolutiva, ou seja, por etapas. Essas etapas vão se desenvolvendo com a participação de uma manifestação denominada libido (pulsão sexual). Isso quer dizer que em cada fase de desenvolvimento psicossexual, a libido irá se fixar em determinadas zonas erógena na tentativa de buscar o prazer.

         Nessa perspectiva, pode-se afirmar que as fases de desenvolvimento da libido, que ocorrem desde a infância, vão deixando marcas no indivíduo, o que Freud denominou como “pontos de fixação”. Ademais, quando eventualmente ocorrem conflitos e o desenvolvimento dessas fases não se dá de forma “normal”, acontece a origem dos “pontos nodais” que vão se fixando em determinadas fases, podendo ser retomados em um posterior período de crise. Dessa forma, chegamos ao entendimento de que as fases de desenvolvimento sexual ocorrem na infância e adolescência, mas cada uma delas é capaz de deixar marcas permanentes, fazendo com que a fixação e a regressão a uma fase específica possa ocorrer em qualquer fase da vida.

         De acordo com os estudos de Freud as fases de desenvolvimento da libido são divididas em: fase oral, fase anal, fase fálica, período de latência e fase genital.

         A fase oral ocorre desde o nascimento até por volta dos dois anos de idade. O órgão denominado como zona erógena é a boca e o prazer pode ocorrer através da amamentação e do uso da chupeta, por exemplo. Nesse caso podemos perceber que indivíduos adultos com hábitos como fumar ou beber em excesso, por exemplo, podem ter ponto de fixação na fase oral, uma vez que a boca é o órgão que recebe o investimento libidinal e por consequência as pulsões de satisfação e  prazer.

         A fase anal ocorre entre dois e três anos de idade e os esfíncteres de micção e evacuação apresentam-se como zona erógena. Nessa fase a criança encontra prazer relacionado à função excretora, alcançando assim o controle de si mesmo. Adultos com sentimentos ambivalentes, altamente manipuladores, competidores e que tem uma intensa necessidade de controle podem estar fixados nessa fase.

         A fase fálica, por sua vez, ocorre de três anos até por volta dos seis anos de idade e possui como zona erógena a parte genital, majoritariamente do órgão masculino que possui uma representação simbólica de poder. Essa fase envolve a curiosidade sobre as partes genitais e também aparece envolta em um conjunto de desejos amorosos que as crianças possuem em relação aos seus pais. Freud denominou esse processo como “Complexo de Édipo” e se por um lado a sua resolução pode possibilitar o ingresso na genitalidade adulta, por outro, caso haja conflito na passagem dessa fase, o indivíduo pode apresentar uma fixação nas fases anteriores, o que pode ocasionar em distintas psicopatologias.

         O período de latência ocorre de seis anos de idade até a chegada da puberdade. Nessa fase a libido está concentrada no desenvolvimento social, na experiência e vivência com outras crianças. Nesse período a criança esquece experiências subjetivas relacionadas às fases anteriores e fica exposta e regras morais e sociais.

         Por fim, a fase genital ocorre a partir da puberdade e adolescência. Nessa fase ocorrem mudanças anatômicas e fisiológicas e os adolescentes revivem de certa forma o complexo edipiano, muitas vezes gerando conflitos contra seus pais na tentativa de construírem sua própria identidade.

         Vale ressaltar que para Freud as fases de desenvolvimento psicossexuais não são necessariamente fixas e/ou lineares. Como estão atreladas às vivências e experiências únicas e particulares de cada ser humano elas podem apresentar avanços e retrocessos, constituindo assim um modo de funcionamento específico para cada pessoa. No entanto, essas fases deixam marcas profundas no psiquismo humano que podem gerar diferentes modos de interagir com o mundo. Para explicar essas organizações internas, Freud elencou três mecanismos de organização psíquica as quais denominou como: neuroses, psicoses e perversões. A ideia central seria a de que cada pessoa se estruturaria sobre uma dessas organizações, no entanto, levando em consideração a complexidade da psique humana, isso não exime o fato de que uma pessoa possa apresentar também traços de outro mecanismo de organização psíquica.

         Ao falarmos sobre o neurótico, podemos afirmar que seu grande conflito está instalado entre a vontade de obter satisfação/prazer e a impossibilidade de realizar seu desejo, uma vez que possui o mecanismo de defesa do ego funcionando como uma autocensura. Esse conflito psíquico pode causar sofrimento e alterações comportamentais, como inibições, fobias, etc. Podemos afirmar, de certo modo, que a neurose em certo nível e em graus diferenciados, está presente em todos os indivíduos.

         Por outro lado, as psicoses apresentam um conflito entre o EGO e a realidade e seus eventos traumáticos estão ligados às fases de desenvolvimento psicossexuais mais primitivas. As psicoses propriamente ditas podem se manifestar como esquizofrenia, paranoica ou melancolia.

         Por fim, temos as perversões, que para Freud se referem a um modo de se relacionar com o mundo e/ou alcançar determinada obtenção de prazer que são repudiados por regras ou leis sociais. Diferente do neurótico, o perverso não se reprime. Ao contrário, ele realiza seu desejo sexual sem nenhum pudor ou sentimentos de remorso e arrependimento.

         Nesse sentido, podemos concluir que para Freud o conceito de sexualidade será definido para muito além do que entendemos como ato sexual. Freud deu muita importância para esse tema, uma vez que para ele as fases de desenvolvimento sexual, assim como suas pulsões e relações com a libido, podem explicar diversos fatos psíquicos e sociais relacionados à psique humana, revelando assim a complexidade e os mistérios mais profundos da mente.


segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Possíveis relações entre linguagem, construção da personalidade e autoconhecimento.

 



         Se por um momento fosse possível imaginar um mundo sem a linguagem verbal ficaria muito difícil entender como se dariam as relações humanas, como seriam feitos os combinados sociais, como as civilizações construiriam sua cultura, seus valores e suas crenças. Fato indiscutível é que a linguagem ocupa um lugar imenso e muito particular na produção e transmissão de conteúdos de geração em geração. Dessa forma, podemos observar como as culturas vão se construindo e como os seres humanos vão ditando aquilo que pode ser considerado como verdade e aquilo que deve ser descartado como falso ou como prejudicial ao convívio social.

         Partindo desse ínterim, torna-se possível pensar em como os indivíduos podem ser desde muito cedo completa ou parcialmente influenciados por discursos e/ou narrativas sociais que visam construir um ideal de ser humano voltado para os conceitos da moralidade e da bondade. Através desses discursos coletivos o ser humano vai construindo a sua identidade, quiçá até mesmo a sua personalidade. O objetivo normalmente é o de ser aceito, de pertencer a um lugar de fala, a um grupo ou então até mesmo o de acreditar e vivenciar o mundo de acordo com alguma ideologia.

         Se essa possibilidade junto ao aparelho psíquico possui um lado positivo, é indiscutível que sim. Isso demonstra que a humanidade constrói sua cultura de forma a contemplar a diversidade de saberes e conhecimentos e que os grupos entendem muitas vezes de forma coletiva aquilo que pode causar benefícios ou prejuízos à vida humana (tanto no sentido biológico, quanto no sentido social). Por outro lado, os discursos e as narrativas prontas de cada ideologia podem por vezes funcionar como limitadores de um intelecto único e de um consciente que deseja ser livre para pensar e para escolher seu modo próprio e particular de entender o verdadeiro significado de sua existência na Terra. Chega-se aqui a um importante embate entre a identidade cultural e a identidade particular de cada um, considerando toda a complexidade de estar diante de uma linha muito tênue. Isso porque ao mesmo tempo em que convivemos enquanto grupo, somos seres únicos e subjetivos.

         Nessa perspectiva, pode-se entender que uma das grandes responsabilidades encontradas no processo de relação entre paciente e analista está justamente voltada para o campo da fala. É falando que o sujeito se constrói, se autoconhece e pode começar também um processo de descoberta de conteúdos que estão enraizados em um inconsciente até então recalcado. No entanto, ao falar e se fazer ouvir, torna-se também necessário entender de onde vem essa fala que o sujeito até então reproduz. Seria essa fala produto do âmago de uma individualidade ou essa fala está pautada em alguma ideologia que o sujeito já esteve em contato e, portanto aceita até então como uma verdade absoluta sobre a sua vida e a vida dos outros ao seu redor?

         Outro fator importante sobre a linguagem a ser destacado é o fato de que desde a infância o indivíduo entra em contato com muitas falas, normalmente oriundas de seus pais e que têm por objetivo descrever as características do filho. Exemplo: “Esse menino é muito medroso.”, “Essa menina é uma assanhada”.

         Quando o sujeito vai crescendo em um meio familiar que o caracteriza de determinada forma, pode ser que ele vá internalizando aquelas verdades para ele e mesmo que ao crescer tais verdades não façam mais sentido ao combinar com as verdades que o sujeito agora acredita, aquelas palavras já estão enraizadas em sua mente, povoando a instância psíquica do superego e ditando algumas formas para que ele seja ou esteja no mundo. Vale ressaltar que o Superego está relacionado com as regras sociais e morais das quais se tem consciência, no entanto, também possui uma parte inconsciente onde essas regras são interiorizadas.

         Nessa perspectiva, a associação-livre, que foi a técnica de escuta adotada por Sigmund Freud se faz fundamental para que ao falar e poder se ouvir, o paciente possa manter uma posição de constante questionamento sobre as verdades que construiu em vida, problematizando-as e questionando de onde possivelmente  elas vêm. O paciente pode se perguntar se essas “verdades” fazem real sentido no campo individual ou se são apenas discursos e ímpetos de verdades que ele vem reproduzindo sem buscar algum raciocínio crítico acerca de tais afirmações; afirmações essas que podem ser sobre a sua vida, sua identidade, suas crenças, seus valores e suas verdades.

         De fato, pode-se afirmar que a linguagem é um dos instrumentos mais poderosos de construção do conhecimento. É através dela que o ser humano se organiza, cria suas leis, suas regras e até mesmo seus entendimentos de moralidade.

         No entanto, sabemos que o inconsciente não se limita às regras. O inconsciente, ou ID não é regido pela lógica do pensamento puramente racional. Nessa instância psíquica estão os conteúdos reprimidos e os impulsos que buscam o prazer, todos de forma desorganizada e sem direcionamento. Esses conteúdos que povoam o inconsciente humano e que não estão comprometidos com a realidade e com a moral podem em algum momento emergirem a nível consciente possibilitando um melhor entendimento da personalidade individual do paciente.

         Em outras palavras, conclui-se que através da fala, seria possível iniciar um processo de acesso ao inconsciente, que possibilitaria o início de outro processo: o de busca pelo autoconhecimento, uma vez que sabemos que é justamente no inconsciente que estão os principais determinantes da personalidade única e subjetiva de cada um.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A importância dos estudos da Psicanálise no contexto da sociedade contemporânea.


            Embora a Psicanálise tenha sido fundada na passagem do séc XIX para o séc. XX por Sigmund Freud, esse campo teórico do conhecimento permanece cada vez mais atual quando se torna necessário entender e interpretar as relações do indivíduo com o meio, assim como buscar entendimento para as aflições que assolam a mente humana.

         O contexto atual da pandemia do Covid-19, por exemplo,  trouxe à tona diversos assuntos relacionados aos transtornos psíquicos e às doenças mentais. Foram compartilhados diversos conteúdos sobre a necessidade de se falar em saúde mental, preservando assim a sanidade e o equilíbrio em meio a um contexto de quarentena e incertezas com relação à vida e a morte.

         Não há como calcular com exatidão o quanto a pandemia pode ter afetado os mecanismos de funcionamento da mente no que se trata das questões relacionadas ao emocional, como os sentimentos de medo, perda, dúvidas e aflições. No entanto, sabemos que atualmente a sociedade de um modo geral tem demonstrado anseio em cuidar e falar mais abertamente sobre saúde mental, quebrando assim alguns tabus relacionados a este tema. Ademais, podemos perceber a veracidade dessa informação, quando observamos um vasto número de publicações de artigos e reportagens na área da psicologia humana. Parece que o assunto não tem fim e quanto mais se fala, mais as pessoas têm interesse em saber como funciona a nossa mente e como mantê-la saudável em tempos tão difíceis e desafiadores.

         Nesse interim, nada mais atual e pertinente do que os estudos da Psicanálise, que vêm se mostrando ao longo dos anos não apenas como um método de investigação e pesquisa, mas também como um método psicoterápico (fazer um tratamento psicanalítico, começando assim um processo de análise). Caso o paciente opte por iniciar esse processo de autoconhecimento, pode ser que encontre muitas respostas para as perturbações que assolam sua mente, trazendo memórias ocultas para o nível do consciente.

         Ao falar em consciente, precisamos enfatizar também que em nosso aparelho psíquico possuímos uma estrutura denominada inconsciente. Nesse compartimento estão alguns conteúdos que foram vivenciados por nós, porém por algum motivo foram reprimidos por censuras internas e por esse motivo num primeiro momento não conseguimos nos recordar com clareza. Podemos dizer então, baseados nos estudos da Psicanálise, que a existência de tais memórias, ainda que num primeiro momento estejam “escondidas” podem causar diversos sintomas relacionados à esfera emocional. Geralmente trata-se de acontecimentos que causaram dor e angústia ao indivíduo e que no momento em que ocorreram, não foi possível lidar com tais emoções, ocasionando assim quase que um “arquivamento interno” em sua mente. Uma das maneiras que Freud utilizava no tratamento de seus pacientes era a “associação livre”, que nada mais era do que uma técnica de escuta, na tentativa de relacionar a fala aos conteúdos que não estavam presentes no nível consciente.

         Chegamos aqui em um importante ponto a ser considerado: a importância que Freud dava ao discurso, à fala e à escuta. Podemos dizer então que a Psicanálise entende a fala como um verdadeiro processo de cura, por isso a importância de se manter a mente saudável através de um processo de análise.

         Mas se por um lado a sociedade necessita tanto falar, expor suas questões, suas angústias, buscar respostas e autoconhecimento, por outro, existem poucas pessoas dispostas a ouvir. Nesse momento, entramos em outra problemática importante relacionada aos tempos atuais: a de que as pessoas estão sempre ocupadas demais vivendo uma vida que não necessariamente é a que condiz com sua realidade. Isso porque talvez exista uma necessidade de exposição nas redes sociais que cria quase que uma realidade ou existência paralela em um mundo virtual. Isso se torna complexo, uma vez que essa vida apresentada de modo virtual quase nunca expõe as questões internas, que trazem os questionamentos e assolam a mente humana. Tal profundidade não será encontrada em um local onde se mostra apenas aquilo que temos de melhor. Essa profundidade que o ser humano busca poderá ser encontrada no momento em que ele estiver disposto a abrir as portas do inconsciente e lidar com aquilo que ele tem de melhor e com aquilo que ele tem de pior também: seus defeitos, suas fantasias, seus dilemas, seus bloqueios. Num primeiro momento, pode parecer algo semelhante como uma busca pelo sofrimento, porém será apenas atravessando a barreira do recalque que haverá a possibilidade de alcançar a catarse, que para Freud seria o momento em que a liberação de emoções ligadas a acontecimentos traumáticos vêm à tona por meio da rememoração. Nesse momento os sintomas poderiam desaparecer e o indivíduo assim poderia ter total consciência de sua realidade. Assim chegaria a hora em que o paciente poderia escolher as formas de melhor entender, dialogar e lidar com os traumas passados.

         Sendo então a Psicanálise uma ciência que estuda a mente humana em suas profundezas (o inconsciente, suas leis e seus efeitos), nada mais coerente do que trazermos à tona sua importância em tempos em que a humanidade busca tantas respostas e reflexões sobre dilemas intermináveis. No entanto, ao passo em que há a necessidade de entender melhor todas essas questões que se encontram nas profundezas das mentes, existe também a necessidade de se encontrar bons profissionais na área da Psicanálise. Querer ouvir e querer ajudar o outro a encontrar respostas é um caminho digno de apreço e por isso deve ser respeitado e reconhecido o trabalho do analista, como uma das profissões mais dignas e necessárias da sociedade contemporânea.

        

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Vidas Secas

    O livro “Vidas secas” do autor Graciliano Ramos me causou muitas reflexões, muitas inquietações. Tantas que venho aqui hoje inaugurar meu blog escrevendo sobre ele. É um livro que todos os brasileiros deveriam ler. Ele possui uma riqueza muito particular, muito detalhada, por isso eu jamais conseguiria esmiuçar tamanha riqueza em somente uma postagem. No entanto, preciso pontuar duas questões que para mim foram as mais marcantes e mais cruéis também. 
   Como estudante de Letras, eu não poderia deixar de reparar que os personagens principais quase não falam. Fabiano e Sinhá Vitória se comunicam com poucas palavras, quase sempre com resmungões e quase nunca com um diálogo, propriamente. Os meninos, tanto o mais velho, quanto o mais novo, possuem sentimentos e pensamentos que povoam seu imaginário, mas ao tentar se expressar, eles não conseguem fazê-lo através da língua. Faltam palavras. Para todos os personagens faltam as palavras. Era de dar dó ver Fabiano juntando aleatoriamente algumas palavras que conhecia, tentando formar alguma frase bonita, para impressionar, para se comunicar. Ele gostaria de falar bonito, mas se frustrava a cada tentativa. Em família, a comunicação se dava no gesto, no olhar. Era como se eles possuíssem uma forte ligação que os fazia adivinhar o que o outro pensava, o que o outro queria dizer, mas não dizia. Ainda pensando em Fabiano, fico imaginando como a questão da língua está diretamente ligada à de cidadania. Fabiano era facilmente enrolado por pessoas que “falavam bonito”. Ele não podia argumentar, não podia questionar, porque não sabia falar, não sabia conversar e muito menos convencer. Era um homem de poucas palavras, não porque era um homem que não possuía conhecimento algum. Fabiano era um vaqueiro experiente, que possuía um vasto conhecimento de mundo, mas tudo ficava somente no pensamento, enterrado nele próprio. E por esse motivo ele se julgava inferior aos outros e aceitava seu destino desgraçado. 
   O segundo ponto que preciso comentar sobre esse livro, é sobre a questão da incerteza. O livro termina assim, com uma grande e relevante incerteza. Uma incerteza tão séria que dela dependia a vida de Fabiano, Sinhá Vitória e os meninos. Isso para mim foi muito marcante, confesso que algumas lágrimas tiveram que sair de mim, secas e sufocadas, como toda aquela atmosfera do livro. Fiquei pensando em como seria surreal não saber se no dia seguinte haveria comida. Se haveria ou não água para beber, lugar para dormir. “Talvez sim, talvez não.” dizia Fabiano, acostumado com isso. Mas eu não conseguia aceitar essa fala, não conseguia aceitar que aquilo estava acontecendo com eles. 
   Pode parecer estranho, mas me afeiçoei à família de Fabiano. O sr. Graciliano foi um escritor tão grandioso que conseguiu fazer isso comigo (e imagino que com muito mais gente). Ele conseguiu fazer com que eu viajasse para aquele sertão e vivesse lá alguns dias, observando (sem nada poder fazer) a vida de Fabiano. Por esse motivo, digo que me afeiçoei àquela gente e que com essa afeição surgiu o desejo de vê-los prosperar, de ver os meninos estudando, de ver Fabiano conseguindo sua própria fazenda em um local onde não houvesse a seca. Pura ilusão! Quando se lê “Vidas secas”, lentamente essa esperança vai se esvaindo e a dura realidade vai tomando conta do seu coração. A gente percebe que Fabiano sempre será um homem bom, simples, que trabalhará quase de graça, somente a troco de comida. Sinha Vitória, minha querida Vitória, continuará a sonhar com seu colchão de couro. Todos os meses irá fazer suas continhas e perceber que não possui dinheiro para comprá-lo e que por isso terá que continuar a dormir em sua cama de varas. Os meninos, ah, os meninos serão como Fabiano no futuro, e a triste história sempre voltará a se repetir. Mas de acordo com o Sr. Graciliano, no final do livro “O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos.” E assim o livro termina sem terminar. Eles continuam a sua caminhada, sem rumo, sem qualquer ponta de certeza. E se chegassem à cidade? Sinceramente não sei se seria melhor. Fabiano era um bom vaqueiro. Não sei o que o aguardaria na cidade. Escola para os meninos? Talvez sim, talvez não. Enfim, essa incerteza me cortou a alma, me fez pensar no sentido maior da vida, me fez desejar imensamente que eles não existissem de verdade. Aí veio o golpe final. Eles existem. Hoje mesmo foi noticiado que “após uma década de queda na miséria, o número de brasileiros em condição de extrema pobreza voltou a subir em 2013. O país tinha 10,08 milhões de miseráveis em 2012, contra 10,45 milhões um ano depois, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O aumento é de 3,7%.” Agora imaginem, mais de 10 milhões de Fabianos espalhados pelo Brasil. Há que se pensar muito nisso, há que se mudar isso. Ninguém deve aceitar, se acostumar ou fechar os olhos para isso. 
   “Vidas secas” foi publicado em 1938 e continua tão atual. É uma ficção, eu sei. Ou melhor, não sei. Ainda hoje muitas pessoas continuam sofrendo com a incerteza. Incerteza essa relacionada à própria sobrevivência. Nem tão cedo esse livro vai me deixar caminhar sem lembrar-me dele. Quanto a Fabiano, Sinhá Vitória, os meninos e a Baleia, eu prefiro continuar a lembrá-los com esperança. Esperança também é uma mensagem deixada em “Vidas secas”. E além dessa vã esperança, que possamos ser belos, amáveis, honestos, fortes, brutos, como eles. Só assim para dar conta dessa vida.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

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